quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Uma moça chamada Eluana e o testamento biológico

Era uma vez uma moça chamada Eluana Englaro. Como tantas outras moças da sua idade levava uma vida normal, com sua família. Era amada, querida por seus amigos, cheia de planos. De repente, num dia qualquer, de uma hora para outra, um acidente grave a colocou em um estado vegetativo persistente. Uma semana antes do acidente, em uma conversa com a família ela havia expressado o desejo de não ser mantida em vida de forma artificial se algo de grave acontecesse com ela.
Faz 17 anos que Eluana está em uma cama, hospitalizada, em coma vegetativo. Ela é alimentada e hidratada por sondas. Recebe eventualmente suporte ventilatório e antibioticoterapia quando tem febre.
Há anos seu pai luta pela vontade expressa pela própria Eluana de parar com o suporte e deixá-la morrer. Após vários revezes, ele conseguiu e esta semana Eluana foi transferida para uma outra clínica onde ela será acompanhada com a suspensão de todos os interventos invasivos, inclusive nutrição enteral e hidratação venosa e por sonda. Eluana finalmente vai poder morrer.
O motivo pelo qual trago a história de Eluana é a idéia da morte.
Não vou entrar nos méritos da questão judicial ou religiosa de todo o processo.
Vou só querer refletir sobre morrer.
Todo mundo tem medo da morte. É instintivo. Eu tenho, você tem. O que não se percebe facilmente é que a morte é parte da vida. Não existe a morte sem a vida. Logo, a morte não é uma entidade em si, mas só parte da própria vida. E incluída nela impreterivelmente. Se você ama a vida, isto inclui a morte.
Então fico pensando sobre a distorção que existe na não aceitação da morte e nas inúmeras tentativas de manter um estado artificial de juventude eterna. Na negação da própria vida ao negar a morte.
Daria para escrever um tratado, ms não vou não. Vou deixar vocês pensarem, refletirem, se em uma situação como a de Eluana vocês estariam "vivos" ou "mortos".
Se tirassem o sua capacidade de decidir, de fazer, de pensar, valeria a pena manter-se vivo? Ou a vida em si vale mais do que a sua individualidade?
O que é mais importante para você: existir ou ser?
O que é viver (e morrer) com dignidade?
Aí entra o chamado testamento biológico, ou seja, expressar em condições de lucidez o que você acredita seja válido para você em uma circunstância como esta. Este também é questionável, mas você gostaria de deixar claro o que pensa para você ou preferiria que outras pessoas tomassem a decisão no seu lugar?

Muitas vezes me ocorreu que muitos dos pacientes que atendi na UTI teriam preferido morrer nas próprias camas, cercados por seus familiares e amigos, do que em um ambiente frio, anônimo e solitário, cercados por estranhos, cheios de fios e monitores e luzes que não se apagam nunca.
Talvez a gente precise quebrar os tabus e discutir mais sobre isso. Porque a gente morre, mesmo tendo feito tudo certo, mesmo não querendo.

OBS: Gostaria de esclarecer que existem diversos níveis de coma e de estado vegetativo. No caso de Eluana não há possibilidade de recuperação pois ela teve danos extensos na substância cinzenta, aquilo que se chama "morte cortical", e só não é em "morte cerebral" (condição de doador de orgãos, por exemplo) porque ainda tem a função no tronco encefálico. A sua capacidade de raciocínio, de entender-se como pessoa, de reconhecer o ambiente e interagir está perdida para sempre. Este diagnóstico está devidamente documentado. Beppino Englaro é seu tutor e não é um monstro, é só um pai que não vê saída e cuja dor merece respeito.
A questão é mais complexa do que possa parecer, pois implica em um artigo do código de deontologia médica que trata da futilidade terapêutica (art. 14 do Cod. de Ética Médica Italiano) e não é uma "eutanásia" como comentado pela mídia. Dá margem a muitas discussões e não é o objetivo discutir o Código di Ética Italiano.
No Brasil, não existe este enfoque, pois a lei obriga o médico a fazer tudo pelo doente, independente deste procedimento ser ou não fútil.
O que eu quero com este post, é que vocês pensem sobre como se sentiriam se vocês fossem Eluana, sobre seus valores, sobre uma decisão importante que é como vocês gostariam de viver e de morrer.
Eu acredito que a dignidade da vida humana merece todo o respeito e a dor das pessoas envolvidas em uma circunstância como essa também.
A ortotanásia, ao contrário da distanásia, deveria ser um direito de todos os cidadãos. Até o Papa João Paulo II entendeu isto.

3 comentários:

thais disse...

eu acho que existem duas coisas que precisam acontecer em casa: nascer e morrer.
os dois acontecimentos são fisiológicos e, quanto mais naturais forem, melhor.

se bem que, aí não dá pra doar os órgãos....

hummm....

beijo

Anônimo disse...

A questão é: quem garante que ela não acordará mais ? mesmo depois de dezessete anos de espera, existem casos de pacientes que acordaram depois de vinte anos em coma. Se fosse minha filha eu esperaria a vida toda, abreviar a vida dessa moça é um crime que uma mãe jamais faria, pelo visto ela não tem mãe, só o pai e uma tutora. Que Deus a console, que ela descanse em paz.

Anônimo disse...

Gente... eu não sei o que dizer!
Penso em todas as possibilidades para ser contra ou a favor das "násias" em questão... mas não sei bem ainda o que direi!
É uma tristeza!