terça-feira, 31 de março de 2009

Peixe com o quê?

Não é pirão, nem é farofa. Nem batata, mandioca ou arroz. Não é disso que falamos hoje.
São dos resíduos de tantos remédios (fármacos) e outras substâncias de produtos de cuidados pessoais que não são removidos nas estações de tratamento de esgotos e que retornam às fontes de captação de água.
Na Environmental Toxicology and Chemistry (on line) deste mês, saiu um artigo detalhando as principais substâncias destes dois grupos em peixes de várias regiões dos EUA.
Leve-se em consideração que o tratamento de esgotos no Brasil é ainda (infelizmente) muito incipiente (e insipiente também), com a maioria dos municípios despejando nos nossos rios esgotos sem nenhum tratamento.
Outra premissa interessante é o despejo de metais pesados de garimpos clandestinos em rios aparentemente insuspeitáveis da Amazônia ampliada. Sem falar nos peixes marinhos de grande porte, como o atum, contaminados por mercúrio.
Assim o leitor poderá ter uma vaga idéia do que ele ingere junto com o belíssimo filé de peixe "alla mugnaia".
Vamos então ao artigo: "Occurrence of pharmaceuticals and personal care products (PPCPs) in fish: Results of a national pilot study in the U.S.".
Os autores introduzem dizendo que muitas substâncias químicas já foram assinaladas em diversas fontes biológicas, inclusive tecidos de peixes, mas que não havia sido nunca realizado um estudo abrangente incluindo várias regiões geográficas. Um estudo piloto incluindo peixes provenientes de cinco diferentes efluentes que recebem descarga direta de tratamentos de esgoto em Chicago, Dallas, Orlando, Phoenix e West Chester (Pensilvânia) foi então iniciado. Os controles vieram do rio Gila, no Novo México, por serem espécimens expostas minimamente ao impacto humano.
As amostras foram tratadas através de Espectrofotometria de massa e Cromatografia líquida de alta performance (HPLC-MS/MS). Observou-se a presença dos seguintes fármacos: norfluoxetina, sertralina (ambos antidepressivos), difenidramina (anti-histamínico H1), diltiazem (benzotiazepina, bloq. canal de cálcio, antihipertensivo), carbamazepina (antiepilético, antipsicótico) em nanogramas/g em filés. A presença adicional de fluoxetina e gemfibrozil foi confirmada em tecidos hepáticos. A Sertralina foi detectada em concentrações de 19 e 545 nos filés e nos fígados, respectivamente.
A presença de ingredientes de produtos de higiene pessoal nas amostras revelou nos filés a presença de galaxolide e tonalide (notas baixas em perfumes, musks sintéticos) em concentrações máximas de 2100 e 290 ng/g respectivamente e traços de triclosan (conservante e antibacteriano).
Em geral, as drogas foram detectadas em maior concentração nos fígados que nos filés e os autores excluem que o maior conteúdo graxo do fígado seja a causa desta discrepância, pois não houve correlações positivas entre as concentrações farmacêuticas acumuladas e o conteúdo lipídico de cada tipo de amostra analisada. No entanto os resíduos de produtos de higiene pessoal, galaxolide e tonalide fopram significativamente relacionadas ao conteúdo lipídico das amostras de tecido analisadas. Os autores concluem que os achados são dependentes do tipo de tratamento empregado nas estações de esgoto.

Ter a noção de que aquilo que usamos não se restringe aos efeitos colaterais em nós mas que abrangem uma cadeia inteira de eventos após, é importantíssimo. O remédio que tomamos para uma patologia qualquer é excretado total ou parcialmente metabolizado, mas seus efeitos podem ainda ser efetivos em outras espécies no ambiente.
O creminho e o shampoo, o sabonete e o perfume que usamos em nossas peles, vem absorvidos e metabolizados e o restante é lavado e carreado para os sistemas de esgoto. E raramente são eliminados pelo tratamento aplicado nas estações.
Cada ação humana implica em uma cadeia de eventos anterior e posterior a ela.
Pensem nisso.

Para saber mais:
Ramirez AJ, Brain RA, Usenko S, Mottaleb MA, O'Donnell JG, Stahl LL, Wathen JB, Snyder BD, Pitt JL, Perez-Hurtado P, Dobbins LL, Brooks BW, Chambliss CK.
Occurrence of pharmaceuticals and personal care products (PPCPs) in fish: Results of a national pilot study in the U.S.
Environ Toxicol Chem. 2009 Mar 25:1.

2 comentários:

thais disse...

nossa, esse post está perfeito, perfeito.
posso copiar assim lá no vida verde?

beijo

Sandra Goraieb disse...

Claro, Thais! Um beijão pra você.