Como eu lhes disse no início, este livro* começou por acaso. Só com a preocupação de uma mãe em relação aos produtos consumidos por sua filha pequena. Mas com o passar do tempo e com a informação que foi se acumulando ao longo do percurso, os dados foram se entrelaçando em outros, e acho que vale a pena fazer um parêntese sobre outras coisas relevantes.
Todos nós sabemos o quão dependente somos das substâncias químicas sintéticas que permeiam a nossa realidade cotidiana. E isso acontece em todo o mundo, em todos os continentes. Embora nos tragam muitos benefícios e confortos estas toxinas estão entrando na nossa cadeia alimentar, nos mananciais de água doce, nos mares, no ar, nos nossos corpos, no nosso futuro.
No norte do oceano Pacífico e nas regiões polares, focas, albatrozes, e outras espécies animais no topo da cadeia alimentar, apresentaram em seu sangue e tecidos substâncias como PCB, furanos e dioxinas fabricados a milhares de quilômetros de distância. Emblemático e preocupante é o caso descrito nos anos 90 de mulheres que viviam às margens do lago Michigan que, contaminado décadas antes, ingeriam 2 a 3 porções de peixe por mês pescado no lago. Estas mulheres davam à luz crianças com déficits de aprendizado e de memória. Este vínculo entre contaminação ambiental e danos à saúde não foi uma descoberta imediata. Passaram-se anos até que esta correlação fosse feita.
Na África e não só, pesticidas obsoletos são estocados de modo inadequado, e que acabam vazando e contaminando o solo, o ar e a água. Aqui mesmo no Brasil não fomos isentos de vários acidentes deste tipo. Aconteceu em Paulínia (SP), por exemplo, o vazamento de organoclorados (aldrin, endrin e dieldrin) em um terreno pertencente a Shell. Dê uma olhada no mapa de crimes ambientais corporativos disponibilizado pelo Greenpeace. Você vai perceber que o perigo mora ao lado.
Em 1956, em Minamata, Japão, uma série de pessoas apresentou sintomas de até então uma nova doença desconhecida que mais tarde foi reconhecida como contaminação por sais de mercúrio provenientes da descarga de uma fábrica local de produtos químicos. O mercúrio intoxicava os peixes, que intoxicavam as pessoas.
A realidade é que por muitas décadas nossa capacidade de criar novas substâncias foi muito superior à capacidade de entender as suas conseqüências sobre nós e sobre o planeta. Existe já uma grande quantidade de evidências na literatura científica que estas substâncias possam ser danosas a uma série de espécies agindo sobre seus sistemas reprodutivos, seus órgãos, seus sistemas imunitários, sobre o DNA. Existe suficiente evidência para supor que estas substâncias ponham em risco a homeostase no ser humano.
A coisa se torna ainda mais séria quando as substâncias implicadas permanecem no meio ambiente. A esta categoria de agentes químicos se dá o nome de poluentes orgânicos persistentes, os POPs. Eles possuem a característica de serem moléculas muito tóxicas, de difícil degradação e de potencial bioacumulativo, que entrando na cadeia alimentar se depositam nos tecidos das espécies vivas. Algumas destas substâncias podem persistir no ambiente por centenas de anos. Isso motivou a comunidade internacional a propor um documento onde os países assinantes se comprometessem a eliminar os agentes POP mais perigosos e examinar outras moléculas danosas para futuras proibições. Este tratado, também assinado pelo Brasil e mais 150 países se chama “Tratado de Estocolmo” (Stockholm Convention on Persistent Organic Pollutants). Nele, os governos se propõem a eliminar doze substâncias denominadas “dirty dozen”, a dúzia suja, na nomenclatura INCI: aldrin, chlordane, DDT, dieldrin, dioxin, endrin, furans, heptachlor, hexachlorobenzene, mirex, polychlorinated biphenyls (PCBs), toxaphene.
Esta ação deveria ser aplicada de forma conjunta por todos os países do globo, por um motivo simples: estas substâncias não se limitam ao lugar onde são produzidas. Portanto, mesmo que restasse um único país do mundo onde esta produção fosse livre, o esforço de todos os demais seria em vão. O risco persistiria igualmente para todos.
No Brasil, o CONAMA, órgão do Ministério do Meio Ambiente é o responsável pelos estudos e a aplicação do protocolo de Estocolmo.
Mas de onde vêm os POPs? Eles vêm de vários processos industriais que empregam derivados de petróleo e cloro, por exemplo: a fabricação de defensivos agrícolas, a incineração de lixo, a produção de PVC, o branqueamento de papel com cloro e outros processos.
Outras substâncias bastante danosas são as chamadas substâncias tóxicas persistentes, os PTS. Além dos POPs ela inclui os metais pesados e os compostos organo metálicos. Os metais pesados são metais que apresentam alta densidade. Na natureza apresentam-se em baixas concentrações na forma livre. Eles são muito reativos além de ser praticamente indestrutíveis. Então de onde eles vêm? De novo dos resíduos industriais e da incineração de lixo urbano. As indústrias de tintas, de cloro, de plástico, as metalúrgicas, mineradoras, etc, utilizam metais pesados em seus processos industriais. A queima do lixo produz cinzas ricas principalmente em mercúrio, chumbo e cádmio. E da mesma forma que os POPs, eles possuem potencial bioacumulativo uma vez que contaminem água, solo e ar, podendo ser absorvidos pelos tecidos e intoxicá-los. Veja o que ocorreu em Minamata. Lá os gatos dançavam e as pessoas morriam, como diz Dr. Moacyr Scliar em sua curiosa e dramática crônica escrita para a Clinica Literária e publicado no site de Luis Peaze (http://www.clinicaliteraria.com.br/minamata.htm#scliar).
Infelizmente, alguns peixes que consumimos habitualmente já apresentam um potencial tóxico não indiferente e que pode se constituir em risco. O consumo de atum fresco ou congelado é desaconselhado para gestantes e mães que aleitam. O atum em lata pode ser consumido em doses pequenas, no máximo 1 lata por semana. O atum light contém menos tóxico do que o conservado no óleo, mas as quantidades também devem ser limitadas. Isso é uma pena, pois seria uma ótima fonte de proteína de alta qualidade, vitaminas e ácidos graxos omega 3, se não estivesse contaminado por metilmercúrio. Quanto maior for a atividade predatória do peixe, maior é o risco de contaminação. Portanto, se estiver grávida ou estiver amamentando seu bebê, elimine completamente tubarão, peixe espada, merlin, cavala, peixe batata e outros peixes predadores de grande porte. O cozimento não elimina o metal impregnado na musculatura dos peixes. Para saber mais consulte a página do EPA em português sobre o tema (http://www.epa.gov/waterscience/fish/MMBrochurePOR200603.pdf). A placenta, infelizmente, não é suficiente barreira para os metais pesados.
Os rios da região amazônica contêm altos teores de mercúrio. Segundo estimativas do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), só na década de 80 os garimpeiros que atuavam no leito do rio Tapajós despejaram 600 toneladas de mercúrio nas suas águas.
Em Cubatão, baixada Santista, Estado de São Paulo, houve nos anos 80, denúncias de um alto índice de anencefalia (ausência de cérebro) em recém-nascidos e este problema estaria relacionado com a emissão industrial de metais pesados, notadamente o chumbo. Só no ano de 1981 foram 10 casos em 3400 partos, quando a OMS considera aceitável 1 caso em cada mil. Em Guaíra, SP, no ano de 2002, também houve suspeita de contaminação ambiental por chumbo com a ocorrência de 3 casos em 500 partos/ano.
Vamos esclarecer algumas coisas: o nosso organismo necessita em doses muito pequenas de alguns metais como o zinco, o cobalto, o ferro e o magnésio, porém excessos destes mesmos elementos são tóxicos e perigosos.
Outros metais como o mercúrio, cádmio, chumbo, arsênio e cromo, não fazem parte de processos fisiológicos e a sua ocorrência em organismos vivos acarreta somente prejuízos biológicos e nenhuma vantagem em nenhuma concentração.
E o que isso tem a ver com cosméticos? Acontece que alguns cosméticos possuem na formulação alguns metais pesados como o alumínio, o chumbo, o zinco. Acontece que a água pode estar contaminada com metais pesados.
Nos processos industriais se adicionam quelantes de metais pesados, do tipo EDTA (ethylenediaminetetraacetic acid). Estas substâncias podem eventualmente liberar nitrosaminas dependendo dos demais ingredientes da formulação.
E na vida cotidiana? Existem pequenas atitudes que podemos adotar para fazer com que este problema diminua. Coisas simples como não jogar baterias e pilhas no lixo comum. Em alguns supermercados e pontos de venda existem recipientes especiais para este lixo.
Outra decisão que pode melhorar um pouco o potencial de risco é escolher bem a panela com que se cozinha. Panelas de alumínio podem contaminar os alimentos. Pesquisadores da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), da Universidade de São Paulo (USP), coordenado pela Eng.a Elaine Cristina Bocalon encontraram quantidades excessivas de alumínio tanto na água quanto no alimento cozido em panelas comuns de alumínio. A transferência do metal em água com sal (na concentração de 10 gramas de sal para 4 litros de água) foi de 20 miligramas de alumínio por litro após 3 horas de fervura. De acordo com a literatura internacional, o limite aceitável de consumo diário de alumínio é de no máximo 14 miligramas. Quando a quantidade de sal foi aumentada, os resultados foram ainda piores.
Por muito tempo acreditou-se que as panelas de ferro eram benéficas, que o ferro que liberam no alimento fosse bom para o organismo. Isso é parcialmente verdadeiro. Novamente o problema vem do excesso. Se utilizarmos panelas de ferro no dia-a-dia, poderemos ficar intoxicados. Mas elas podem ser interessantes para o tratamento de anemia em casos especiais.
Panelas de teflon, apesar de sua praticidade podem trazer problemas. Com o tempo, com o uso, a camada de teflon vem danificada e você passa a ingerir o que não deveria: os derivados dos fluoroquímicos. Ao contrário de outros contaminantes persistentes, os compostos fluorados se ligam às proteínas do plasma e se depositam no fígado. Existe evidência de toxicidade sobre vários aparelhos e sistemas em roedores e de malformações fetais quando a rata é exposta durante a gravidez.
Panelas de aço inox são feitas de uma liga contendo ferro, cromo e níquel. Entre estes elementos o níquel seria o mais tóxico, porém eles não são transferidos para a água de cozimento e consequentemente para o alimento.
Portanto, dê preferência a panelas de vidro ou aço inox, salgue os alimentos somente após serem cozidos. Lave as panelas com esponja macia, sem “arear” nem esfregar as panelas com superfícies ou substâncias abrasivas. Elas removem a camada que torna mais difícil a migração dos íons. Panelas não são espelhos. Com isso você vai economizar seu tempo, seu esforço e melhorar a sua saúde.
*Este texto é parte integrante do livro "Mamãe passou açúcar em mim", S. Goraieb, 2006 e é protegido por direitos de copyright. Para reproduções, consulte a autora.
Um comentário:
Devo bater palmas por investigação tão detalhada e informativa. Como sempre, ler seu blog é entrar num universo de informações e dados que vão de utilíssimos a assustadores. Infelizmente, é a realidade na qual ao invés de viver, somos obrigados a lutar para sobreviver.
Um abraço!
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