Campinas (SP), 05/04/2011 - O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região
negou recurso impetrado pelas empresas Shell do Brasil e Basf S/A contra decisão
em primeira instância que condena as multinacionais ao custeio de tratamento de
saúde de ex-funcionários e ao pagamento de uma indenização bilionária por danos
morais.
O acórdão proferido pelo TRT mantém a sentença da Vara do Trabalho de Paulínia,
que também abrange filhos de empregados que nasceram durante ou após a prestação
de serviços, autônomos e terceirizados.
A cobertura médica deve abranger consultas, exames e todo o tipo de tratamento
médico, nutricional, psicológico, fisioterapêutico e terapêutico, além de
internações.
Fica mantido que cada ex-trabalhador e cada filho de ex-trabalhador nascido
durante ou depois da prestação de serviços deverá receber o montante individual
de R$ 64.500, indenização que se refere à protelação do processo pelas empresas,
no período compreendido entre a data da propositura da ação, em 2007, até 30 de
setembro de 2010. Este
valor será acrescido de juros e correção monetária a partir da sentença e de
mais R$ 1.500 por mês caso não seja feito o reembolso mensal das despesas nos
meses seguintes.
Após a publicação da sentença, os trabalhadores terão prazo de 90 dias para
apresentar documentos comprovando a condição de ex-empregados das empresas
Shell, Cyanamid ou Basf (sucessora da Cyanamid), ou de terceirizados ou
autônomos que trabalharam na unidade fabril de Paulínia, independente do
trânsito em julgado. Embora possam ser
cadastrados trabalhadores de todo o país, o atendimento à saúde foi restringido
à Região Metropolitana de Campinas e à cidade de São Paulo.
As empresas devem constituir um comitê gestor do pagamento da assistência
médica, o qual, segundo ex-trabalhadores, está em vias de ser estabelecido. Se
descumprir a obrigação, as empresas devem pagar multa diária no valor de R$ 100
mil.
As empresas também foram condenadas ao pagamento de indenização por danos morais
causados à coletividade no valor de R$ 761 milhões, reversível ao Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT).
De acordo com o juízo, as empresas deverão arcar, no total, com um custo
aproximado de R$ 1 bilhão e 100 milhões de reais.
Mais de 1 mil ex-trabalhadores das empresas foram beneficiados com a sentença,
além de outras centenas de familiares, também suscetíveis à contaminação. De
todos os trabalhadores que tentam provar que foram expostos a substâncias
contaminantes, ao menos 100 possuem ações individuais em trâmite na Justiça.
A exposição de seres humanos aos contaminantes presentes no local da fábrica é
há anos estudada e está vastamente documentada nos autos da ação civil pública
ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em 2007, juntamente com
Associação de Combate aos Poluentes (ACPO), Associação dos Trabalhadores
Expostos a Substâncias Químicas (Atesq) e Instituto Barão de Mauá de Defesa de
Vítimas e Consumidores Contra Entes Poluidores e Maus Fornecedores.
O material foi produzido por instituições como Unicamp, MPT, Centro de Apoio
Operacional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente, Ministério da Saúde,
Cut, Cedec, Dieese, Unitrabalho e pela empresa holandesa Haskoning/IWACO – a
pedido da própria Shell.
Em razão de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado perante o
Ministério Público do Trabalho, o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador
(Cerest) de Campinas examinou 69 ex-trabalhadores da Shell/Cyanamid/Basf e
enviou um relatório, que foi juntado aos autos do inquérito, sobre os
atendimentos realizados, cujo resultado apontou
uma média de 6 diagnósticos por indivíduo analisado.
Dos 17 casos diagnosticados, 10, ou seja, 58,8% foram de neoplasia maligna,
chamando atenção os cânceres de próstata e os de tireóide. Houve ainda um caso
de síndrome mielodisplásica. Quanto às doenças endócrinas, o Cerest verificou
que 67,9% dos diagnósticos foram dislipedimias somadas às doenças da glândula
tireóide.
Dos 34 casos de doenças do aparelho circulatório, 21 foram casos de doenças
hipertensivas. Dentre as doenças do aparelho digestivo, destacaram-se as doenças
do fígado, além da ocorrência de casos de doença diverticular do cólon e um caso
de metaplasia intestinal em esôfago. Em 30 casos houve predominância de Lesões
por Esforços Repetitivos (LER), enquanto que 56 ex-trabalhadores apresentaram
problemas sérios no aparelho gênito-urinário, com afecções da próstata,
alterações de fertilidade e impotência sexual. Ainda houve
exames em que o diagnóstico final não foi comprovado, mas apresentaram
alterações.
A Shell e a Basf podem recorrer da decisão no Tribunal Superior do Trabalho
(TST), em Brasília.
CONHEÇA O CASO
No final da década de 70 a Shell instalou uma indústria química nas
adjacências do bairro Recanto dos Pássaros, em Paulínia. Em 1992, ao
vender os seus ativos para a multinacional Cyanamid, começou a ser
discutida a contaminação ambiental produzida pela empresa na
localidade, até que, por exigência da empresa compradora, a Shell
contratou consultoria ambiental internacional que apurou a existência
de contaminação do solo e dos lençóis freáticos de sua planta em
Paulínia.
A Shell foi obrigada a realizar uma auto-denúncia da situação à
Curadoria do Meio Ambiente de Paulínia, da qual resultou um termo de
ajuste de conduta. No documento a empresa reconhece a contaminação do
solo e das águas subterrâneas por produtos denominados aldrin, endrin
e dieldrin, compostos por substâncias altamente cancerígenas – ainda
foram levantadas contaminações por cromo, vanádio, zinco e óleo
mineral em quantidades significativas.
Após os resultados toxicológicos, a agência ambiental entendeu que a
água das proximidades da indústria não poderia mais ser utilizada, o
que levou a Shell a adquirir todas as plantações de legumes e verduras
das chácaras do entorno e a passar a fornecer água potável para as
populações vizinhas, que utilizavam poços artesianos contaminados.
Mesmo nas áreas residenciais no entorno da empresa foram verificadas
concentrações de metais pesados e pesticidas clorados (DDT e drins) no
solo e em amostras de água subterrâneas. Constatou-se que os “drins”
causam hepatotoxicidade e anomalias no sistema nervoso central.
Ademais, a Cyanamid foi adquirida pela Basf, que assumiu integralmente
as atividades no complexo industrial de Paulínia e manteve a exposição
dos trabalhadores aos riscos de contaminação até 2002, ano em que os
auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)
interditaram o local, de acordo com decisão tomada em audiência na
sede do MPT. Apesar do recurso impetrado pela Basf, a interdição foi
confirmada em decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª
Região.
Em 2005, o Ministério da Saúde concluiu a avaliação das informações
sobre a exposição aos trabalhadores das empresas Shell, Cyanamid e
Basf a compostos químicos em Paulínia. O relatório final indicou o
risco adicional aos expostos ao desenvolvimento de diversos tipos de
doença. No ano de 2007, o MPT ingressou com ação civil pública para
garantir os direitos dos ex-trabalhadores ao custeio de tratamento de
saúde, juntamente com uma indenização milionária.
Fonte: Ministério Público do Trabalho em Campinas
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